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José Luís Peixoto

TORRE DE BELÉM, LISBOA, PORTUGAL


A Torre de Belém não é velha, é nova


O meu filho e eu andamos de bicicleta à frente da Torre de Belém. Através de caprichos suaves dos guiadores, para um lado ou para outro, desenhamos curvas longas e invisíveis nas pedras do chão, são lisas, quase não as sentimos. Imitamos a geometria de gaivotas a planar. O entardecer também é liso, demorado. O tempo dessa hora cobre-nos com uma cor que gostamos de sentir na pele. Às vezes, o meu filho diz alguma coisa, um desafio, uma ideia que teve; e eu, para recebê-la, persigo a sua voz de menino de seis anos, atravesso uma aragem que chega do Tejo. A voz do meu filho, à frente da Torre de Belém, é como um raio de sol ainda, reflexo, luz, brilho a piscar na superfície das águas do rio. Pedalamos sem querer chegar a outro lado, estamos exatamente onde queremos estar.


Um dia, talvez chegue o futuro. É possível imaginar toda a espécie de resultados, é mesmo possível imaginar a memória que teremos deste fim de tarde. No entanto, se o fizéssemos, perderíamos os detalhes de estar aqui. Os instantes sucedem-se à frente da Torre de Belém e, mesmo entardecendo, cada um tem a sua própria claridade, Lisboa enorme, o Tejo enorme, ambos tão serenos. E levantamo-nos do selim, pedalamos de pé, o ângulo de um joelho, o ângulo do outro joelho, um ombro, outro ombro. Passam-nos séculos pelos cabelos. Passa a velocidade deste rio, desta torre de pedra, erguida para fazer parte de hoje, deste tempo a pertencer-nos, meu filho. Outros, com propósitos diferentes, estiveram aqui. Atravessamos espaço habitado por esperança e certeza. Respiramos séculos, são frescos ao tocar-nos na cara. O oceano não fica longe daqui.


Em casa, depois de jantar, depois de uma hora com bonecos de plástico, desenhos de super-heróis com canetas de feltro, vou deitar o meu filho. Chegou finalmente a noite. Ele entra de pijama nos lençóis e eu fico vestido por cima da roupa na cama, ao seu lado. Com a luz apagada, as nossas vozes tornam-se mais importantes, ganham toda a nossa atenção. Atrás da escuridão, apenas o som de carros que passam muito longe, o som que a cidade faz a existir. Então, ele pede para lhe contar uma história. Tenho um braço pousado sobre ele, espécie de abraço, sinto o tamanho do seu corpo, seis anos, e começo a contar-lhe a história, a inventá-la. Não sei quanto tempo dura essa trama. Ao acordar, percebo que também eu adormeci. Ele continua a dormir. Levantou-me devagar, tento evitar todos os ruídos, pisar brinquedos no escuro. Puxo-lhe a roupa da cama até aos ombros e, antes de fechar a porta, só então, fico parado a reparar nesse momento, a compará-lo com todo o tempo que conheço, com todo o tempo que imagino, séculos que me antecederam, que me hão de suceder, e, como se transbordasse, agradeço ao mundo por aqui ser aqui, por agora ser agora e eu estar cá.





Foto de Tânia Mousinho


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