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José Luís Peixoto

SAN JUAN E VIEQUES, PORTO RICO

Atualizado: 2 de jan. de 2021


Arquipélago luminescente







Um passo para a frente, volta ao meio e pára. Um passo para trás, volta ao meio e pára. Dançar salsa não é difícil mas, ao fim da quarta/quinta noite, torna-se repetitivo. As músicas começam a parecer todas as iguais e, antes de adormecer, só se ouve trombones na memória. Em San Juan Viejo, é assim – salsa, salsa, salsa. Na capital de Porto Rico, esse bairro é o centro turístico e tem poucas diferenças de um parque temático: a arquitectura colonial bem pintadinha e, no rés-do-chão, restaurantes americanos de fast food.


Para os visitantes estrangeiros, não é possível chegar a Vieques sem passar por San Juan e sem acumular um pouco dessa transpiração (muita humidade) que destila charutos e bacardi. Depois, há também a memória do pequeno avião, motor de lambreta, que, em vinte minutos, aterra noutro mundo. Vieques é uma pequena ilha ao largo da ilha principal de Porto Rico – Isla Grande – e, quando se chega ao aeroporto, não há quase nada. Há, na parede, uma lista com o número de telemóvel dos taxistas da ilha. Depois, há duas localidades: Isabel II e Esperanza.


Sou de intuições semânticas e, por isso, segui para Esperanza. O impacto das praias paradisíacas tem-se logo desde o avião. Na estrada, resta o impacto das plantas, das árvores carregadas de peso tropical, folhas grossas e grandes, verdes-verdes. Anoitecia já e me imaginava um descobridor pronto a surpreender-me. Havia também a chuva. A sensação é de que, em Vieques, toda a natureza é abundante e a chuva também: gotas como bagos de uva, grossas compactas e quentes. Para além dos bairros residenciais, sem ninguém à vista, Esperanza é o Malecón, o pequeno Malecón – uma rua de bares e restaurantes, paralela ao mar do Caribe, que se percorre de ponta a ponta em cinco minutos (caminhando lentamente).


Encontrei um quarto onde ficar – uma pensão deserta, sem ninguém na recepção. No bar ao lado, deram-me um número de telefone e, do outro lado, uma americana (a Charlotte) disse que podia escolher um quarto, as chaves estavam nas portas.


Inglês/espanhol. Já em San Juan foi assim. Uma conversa pode começar em espanhol e, a meio, sem aviso, muda para inglês. O contrário também é possível. Ou pode ter-se uma conversa maioritariamente em espanhol com palavras inglesas polvilhadas, ou o contrário. Foi a conversar numa destas variantes que percebi que, em Vieques, é imprescindível passar pela Baía dos Mosquitos. Cheguei à fala com um porto-riquenho, de rastas, que tinha estado a fumar cigarros do Bob Marley e lá fomos pela noite, atravessando poças de água, num jipe carregado com dois caiaques. Percebi o nome da baía quando chegámos lá. Os mosquitos gostaram de me conhecer. O amigo das rastas ensinou-me os movimentos básicos para manobrar o caiaque.


Aquilo que aconteceu a seguir é difícil de descrever. Dadas as condições especiais do clima e da água, a Baía dos Mosquitos é um dos cinco lugares do mundo povoado por micro-organismos que se iluminam quando perturbados. Assim, cada movimento na água – a passagem dos caiaques, o pousar dos remos – é acompanhado por clarões líquidos. Tudo isto, na escuridão quase absoluta de uma noite de lua nova, apenas as estrelas, e apenas ao som de sapos e insectos. Aproveitei para nadar. Todos os meus movimentos a iluminarem-se à minha volta.



Regressei a Esperanza para tomar um duche na pensão abandonada. Não era tarde quando saí pronto para a noite do Malecón (nove e meia?). Os bares estavam ao rubro e, em vez da salsa, havia o rock mesmo americano, o southern rock dos Lynyrd Skynyrd, esse tipo de coisa. Os balcões e as micro-pistas de dança estavam ocupados por americanos a beber Budweiser e Miller Light. Uns estavam lá de passagem, como eu. Outros perseguiam o sonho de viver numa ilha tropical, de chinelos o ano inteiro e queriam falar com toda a gente. Nos ecrãs de televisão, passavam programas americanos por satélite. Às onze, já havia bares a fechar, felizmente. Por fim, o som das ondas na escuridão.



Texto de José Luís Peixoto

Fotos de Wei Zeng

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