O costume, por favor
O pequeno-almoço na pastelaria é uma tradição urbana portuguesa. Os clientes habituais não precisam repetir o pedido da véspera, porque estão lá todos os dias e sabem que vão receber exatamente o que querem, café cheio em chávena escaldada, meia torrada com manteiga só de um lado. Os sons dessa hora da manhã são uma sinfonia de caótica familiaridade, a chávenas a serem pousadas sobre o pires, o manípulo da máquina de café a ser batido para soltar a borra.
Em Santarém, numa esquina da Praça Sá da Bandeira, a pastelaria Bijou está em plena animação. Durante este horário, muita gente entra ali a precisar de acordar definitivamente, cafeína e/ou açúcar. Os empregados estão já a grande velocidade, equilibram bandejas, serpenteiam entre mesas, entre sonâmbulos que se dirigem ao balcão, entre as suas próprias vozes.
O patrão é o senhor Paulo Oliveira. Durante o pequeno-almoço de hoje, foi ele que me explicou que os arrepiados são os únicos doces conventuais sem gemas. Já as celestes de Santa Clara, também à minha frente, não podem ser feitas sem um exagero de gemas, separadas da clara com jeitinho, uma metade da casca em cada mão, passando a bola amarela da esquerda para a direita, entornando a clara viscosa. Quando aos pampilhos, o bolo mais famoso da casa, foi o seu próprio pai que os criou. Apesar de haver quem os imite em todo o país, foi nesta pastelaria que nasceram e é aqui que mantêm o seu sabor original.
Passar por Santarém é sinónimo de sair da pastelaria Bijou com uma caixa de papel, atravessada por um cordão em cruz, atado com um laço. Não é difícil adivinhar o que vai lá dentro.
Texto de José Luís Peixoto
Foto de Francisco Barros
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