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José Luís Peixoto

FUNCHAL, MADEIRA, PORTUGAL

Almoço


Estávamos convencidos de que a nossa felicidade iria começar quando chegasse o bolo do caco. No entanto, sentados diante de uma toalha lisa, a cheirar a limpo e a refletir a luz, éramos já felizes quando imaginávamos o toque do bolo do caco, pequenos grãos de farinha a cobrirem-no, a temperatura que faria derreter a manteiga de alho no interior de cada naco de pão que puxássemos com a ponta dos dedos.


Chegou o bolo do caco e, realmente, ganhámos uma felicidade diferente. Primeiro, nos olhos, círculo perfeito com linda altura; depois, no toque, a textura que imaginámos e aquela que sentimos, surpresa; depois, sobre a língua, onde o tempo parou. Não sou agora capaz de descrever todas as memórias que apareceram naquele momento, mãe, pai, toda a família, mas sei que foi um instante em que se cruzaram múltiplas idades, éramos todos mais novos, foi um instante em que se cruzou a vida inteira.


Quando despertei de novo para o presente, chegaram as espetadas de carne para uns e o peixe-espada preto para outros. Era uma mesa redonda, estávamos todos à mesma distância do centro, bastava-nos estender os braços para alcançar o que precisássemos. As espetadas em paus de louro, em aroma e sabor de paus de louro, tinham um brilho onde assentavam cristais de sal grosso, o alho infundido nesse gosto pelas brasas. Também o peixe-espada trazia ainda a memória das brasas: ramos verdadeiros, depois de uma vida inteira na árvore, a arderem devagar, o fogo a ser um estado, uma permanência.



E os cubos de milho frito, à espera de um garfo que os escolhesse, à espera de serem cortados ao meio por uma faca que descobrisse a resistência breve que os cobria e, depois, a suavidade fumegante do seu interior. Também dentro da boca essas texturas fizeram sentido, tentámos entendê-las.


Lutámos como heróis com esse almoço. Não contra ele, mas a seu lado. Quando parecia que já tinha terminado, que não havia mais fôlego, alguém fazia deslizar mais um pedaço de carne ao longo do pau de louro, era justo esse caminho e, quando chegava ao centro do prato, quando achava o seu lugar, não havia outro remédio que não fosse acompanhá-lo, trazê-lo para onde fazia falta, como se o dissolvêssemos no nosso nome, transformando-o em nós.


E mousse de maracujá? Quem falou em mousse de maracujá? Não importa de onde saiu essa ideia, agora já não pode ser ignorada. Não há maneira de deixar de dizer aquilo que já foi dito. Da ideia à taça de vidro, aos diversos tons de amarelo, vai uma elipse de gargalhadas, alguém se lembrou de uma piada antiga, mais velha do que sei lá o quê. A colher precisa de coragem para ferir a mousse mas, ao fazê-lo, aprende que, muitas vezes, é no mistério que reside o milagre. O doce misturado com o ácido, a delicadeza do doce e do ácido. Mordi a primeira semente: na suavidade do creme, um instante que estala.


A colher no fundo da taça, o vidro. Sempre soubemos que chegaria o fim. Essa certeza, no entanto, não foi suficiente para consolar-nos. Mas, calma, menos melancolia, por favor, eis que chegou uma garrafa de vinho da Madeira, rodeada por cálices. Levantámos o olhar da mesa e, na paisagem, não existia fim, apenas oceano.




Fotos de Alex Meier e Diego Delso


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