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EDGE OF THE WORLD, ARÁBIA SAUDITA

José Luís Peixoto

Portugueses na Arábia Saudita


As vozes nos walkie-talkies confirmavam que ninguém se tinha perdido da coluna de carros. Éramos uma caravana de jipes a sair do trânsito intenso de Riade. Aos poucos, a cidade ia-se dissipando. Na berma da estrada, ia diminuindo o número de comércios, de armazéns, de muros, ia aumentando a extensão da paisagem, a cor da areia ganhava ainda mais intensidade. No nosso jipe, conversávamos acerca de Riade, da Arábia Saudita, das diferenças da vida, do cá e do lá. Em certos momentos, voltavam as vozes nos walkie-talkies, ou porque alguém comunicava a necessidade de parar ou, com mais frequência, porque alguém queria dizer uma piada.


Seguíamos caminho com boa disposição. Era sexta-feira, mas passei o dia todo com a sensação de que era sábado. A sexta-feira é o dia mais importante da semana para os muçulmanos e, por isso, o começo do fim de semana. Depois, no domingo, com toda a gente a voltar ao trabalho, haveria de parecer-me que já era segunda-feira. Mas isso seria depois, naquele momento, toda a gente daquela caravana estava de folga, a aproveitar o passeio.


Habitualmente, no início de março, o Médio Oriente ainda tem temperaturas que permitem desfrutar do exterior sem grandes dificuldades, ao contrário do que acontece com os tórridos meses do verão. Ainda assim, saímos cedo. Os meus cicerones, portugueses a viverem na Arábia Saudita, chegaram de diferentes complexos residenciais. O mais comum é usar-se o termo inglês, compound, quando se quer falar destes grupos de casas, ocupados quase exclusivamente por estrangeiros, entre muros e com seguranças. Esse cuidado, explicam-me, não se deve tanto à insegurança, que não se faz sentir neste momento, mas acaba por ser também uma forma de se preservar um certo estilo de vida ocidental no interior dessas comunidades. Entre as ofertas que os compounds disponibilizam para os seus residentes, costuma haver piscina, ginásio, lojas, restaurantes, etc. Hoje, nem todos os estrangeiros escolhem esta solução de habitação, não é a única possibilidade, mas continua a ser muito popular entre os portugueses, sobretudo aqueles que chegaram há mais tempo.


Esses são os que mais falam da Visão 2030, diz-se “vinte trinta”, e que têm mais consciência das grandes mudanças que o país tem atravessado nos últimos anos. De forma muito resumida, essa “visão vinte trinta” é um conjunto de políticas que, com o prazo marcado de 2030, pretende reduzir a dimensão do petróleo na economia do país. Essas políticas criam condições para a prosperidade de outras áreas e, nessa sequência, contribuem para que haja um quotidiano mais próximo daquele que existe no ocidente, com participação ativa das mulheres na sociedade. Esse, claro, é sempre um dos grandes temas quando debatemos a sociedade saudita. Entre os portugueses com quem falei, alguns lembram-se do tempo em que as mulheres não podiam trabalhar, não podiam frequentar diversos espaços, de quando eram obrigadas a cobrir sempre a cabeça e usar abaya, o traje tradicional feminino.


A grande maioria dos portugueses na Arábia Saudita pertence a quadros de empresas, com atuação nas mais diversas áreas de atividade. São cerca de quinhentas pessoas, estão presentes em múltiplos pontos do território, principalmente em Riade, a capital. A Associação de Portugueses na Arábia Saudita, ASPAS, uma iniciativa dos próprios, dá apoio em inúmeros aspetos da adaptação à realidade do país, como é o caso da burocracia à chegada, da procura de escolas para os filhos e de tantos outros aspetos práticos. O isolamento, muitas vezes fruto das diferenças culturais, é também uma das adversidades que a associação faz por suprimir. Encontros à volta das artes ou da gastronomia portuguesa são formas de juntar a comunidade, de proporcionar partilha e, ao mesmo tempo, de promover a nossa cultura no país.


Uma atividade que realizam também com alguma frequência são os passeios, como aquele em que participei. Quase a cem quilómetros do centro de Riade, houve um momento em que a caravana de jipes saiu da estrada. A chuva que caíra nas semanas anteriores, pouco comum, tinha dado uma penugem de verde a terrenos quase sempre desérticos. Os camelos que pastavam na distância agradeciam esse conforto. Em alguns pontos da paisagem, havia famílias acampadas. Contam-me que esse é um dos passatempos preferidos dos sauditas nos dias de descanso. De certeza que não faltava o café e as tâmaras.


E chegámos a um ponto em que nem todos os jipes conseguiam passar e, por isso, continuámos a pé. Então, caminhámos até à vista que nos tinha trazido ali: as escarpas do monte Tuwaiq, mais concretamente o ponto a que, em inglês, chamam “The Edge of the World”. Essa é uma visão comovente, que nos faz sentir o nosso tamanho perante o mundo. Para aqueles portugueses, pessoas que sabem muito acerca da distância, imagino que aquela vista lhes tenha também falado de tudo o que está por detrás do horizonte, imagens que sempre os esperam e que recordam diariamente.



Texto de José Luís Peixoto








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© José Luís Peixoto

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