O outro lado
São manchas de cores limpas. As formas do que existe lá fora desfazem-se no vapor que embacia o vidro, como se as cores tivessem extravasado os contornos, demasiado baixos, incapazes de conter aquela força líquida.
Aqui, deste lado, há mulheres de biquíni, são muito loiras. Os seus cabelos molhados parecem uma massa lisa e descolorida. São mulheres bonitas nas suas diversas idades: avós que falam raramente, que se exprimem numa língua de consoantes afiadas; mães de família, talvez quarenta ou cinquenta anos, com um sorriso brando, a apreciarem este tempo de folga; e mulheres casadas ou solteiras, com ou sem namorado, atentas, secretas; e adolescentes, demasiado magras, com pernas e braços como ramos de uma árvore rija e rebelde. A pele de todas é branca, opaca, como uma chapa branca a refletir a luz, são incandescentes. Os seus olhos, translúcidos como água, queimam os lugares para onde apontam.
As crianças caem dentro de água após deslizarem em escorregas encaracolados. A seguir, correm na berma das piscinas. A água quente evapora-se à vista de todos, produz nuvens que flutuam até ao tecto, até às lâmpadas que imitam o sol. Essa água tem a temperatura do ar que respiramos, que nos toca.
Esta é uma praia no vapor, com palmeiras imaginárias e alegria debaixo de uma campânula. As vozes atravessam a neblina, ou talvez elas próprias sejam flocos que evaporaram de pensamentos e que, espessos, tépidos, esbarram neste enorme vidro, nesta parede de vidro até ao céu.
Lá fora, as ruas de Druskininkai. Eu sei que o branco que se desfaz na parte mais baixa do vidro é a neve, a cobrir as ruas e os telhados, pousada nas copas das árvores, com e sem folhas. Da mesma maneira, eu sei que o branco acinzentado na parte mais alta do vidro é este céu de fevereiro, sobrevoa todo o Báltico e, aqui, dirige-se para o sul, chegará em breve à Polónia. Este é um céu em movimento, avança numa massa compacta de nuvens.
Há também o verde vivo dos jardins: verde-claro, jovem, e verde-escuro, com mais idade e mais ciência. Há as casas, frontarias organizadas em janelas altas, arquitetura rectilínea. Há clarões e cores fortuitas, são carros na estrada, circulam pelas amplas estradas vazias de Druskininkai. As estátuas, cobertas de neve, assistem à sua lenta passagem.
Este vidro separa dois mundos. Visto do interior deste parque aquático, é uma gravura abstrata que propõe toda a Lituânia. Para estas mulheres de fato de banho, a rodearem-me com palavras que não entendo, com gestos e expressões que tento interpretar, esta geometria de cores hesitantes, branco-neve, branco-céu, diz algo que só elas sabem: miragem, mistério. Às vezes, há gotas grossas de água que escorrem desde o topo do vidro, atravessam-no com uma longa linha vertical, descem a uma velocidade escolhida por si próprias, controlada. Ao longo do seu caminho, abrem uma fenda de nitidez absoluta. Então, de repente, essa imagem afirma uma verdade a que não resistimos: este vidro separa dois mundos que, incrivelmente, são o mesmo.
Texto de José Luís Peixoto
Fotos de Julius Tik
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