top of page
José Luís Peixoto

AVIS, PORTUGAL

Atualizado: 30 de out. de 2020

Avis





Entardeceu mais cedo. Há um sossego construído no interior do tempo. Subo pela rua que vai dar ao arco como se a recordasse. Lembro-me de estar aqui com dez anos, equipado para a corrida de São Silvestre; lembro-me de passar aqui com catorze anos, na camioneta, a trabalhar com o meu pai nas férias da Páscoa ou do Verão.


De um lado e de outro, as laranjeiras carregadas de laranjas limpas, de folhas grossas e escuras, com gotas frias da chuva que caiu esta tarde. Desta vez, não venho com a camisola de alças das corridas ou com as camisas velhas do trabalho. Roupa de passeio, braços maiores, pernas maiores, subo a rua que vai dar ao arco como se a recordasse.


Passo por baixo do arco e fico parado já no largo. Olhando para trás: toda a rua que acabei de subir e que, vista dali, é uma história de séculos: os passos de todas as pessoas que subiam para o convento, os passos e os pensamentos de todos aqueles que voltam para casa, o meu corpo de dez anos a subir esta ladeira no fim da corrida de São Silvestre ou, com catorze anos, sentado na camioneta, ao lado do meu pai. E ao longe, depois das casas, há campos de oliveiras até ao horizonte e, sem que seja preciso erguer o olhar, está o céu a cobrir tudo isto com um início de noite luminescente.




Texto de José Luís Peixoto



Comments


Commenting has been turned off.
bottom of page