Avis
Entardeceu mais cedo. Há um sossego construído no interior do tempo. Subo pela rua que vai dar ao arco como se a recordasse. Lembro-me de estar aqui com dez anos, equipado para a corrida de São Silvestre; lembro-me de passar aqui com catorze anos, na camioneta, a trabalhar com o meu pai nas férias da Páscoa ou do Verão.
De um lado e de outro, as laranjeiras carregadas de laranjas limpas, de folhas grossas e escuras, com gotas frias da chuva que caiu esta tarde. Desta vez, não venho com a camisola de alças das corridas ou com as camisas velhas do trabalho. Roupa de passeio, braços maiores, pernas maiores, subo a rua que vai dar ao arco como se a recordasse.
Passo por baixo do arco e fico parado já no largo. Olhando para trás: toda a rua que acabei de subir e que, vista dali, é uma história de séculos: os passos de todas as pessoas que subiam para o convento, os passos e os pensamentos de todos aqueles que voltam para casa, o meu corpo de dez anos a subir esta ladeira no fim da corrida de São Silvestre ou, com catorze anos, sentado na camioneta, ao lado do meu pai. E ao longe, depois das casas, há campos de oliveiras até ao horizonte e, sem que seja preciso erguer o olhar, está o céu a cobrir tudo isto com um início de noite luminescente.
Texto de José Luís Peixoto
Fotos de Patrícia Santos Pinto
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